Capítulo Cinco
- Qual dos dois? – perguntei a minha irmãzinha, levantando dois suéteres. - Eu acho que o vermelho me deixa com aparência mais velha, mas eu fico melhor vestindo azul, não é?
Estrela olhava alternadamente para os dois, com seus bracinhos cruzados sobre o peito. Pedir a opinião da criança de onze anos mais indecisa do mundão não tinha sido uma boa idéia.
- Mãe – gritei. - Mãe, eu preciso de sua ajuda!
- Não, espera – insistiu Estrela. - Eu posso resolver isso.
- Vermelho ou azul? – perguntei, segurando os suéteres sobre o meu corpo. - Eu não posso acreditar que estou tendo dificuldade para resolver isso!
- Por quê? – perguntou Estrela, sentando–se ao meu lado. - Você está indo para um encontro, certo? É normal você se importar com a sua aparência.
Sorri. Até mesmo minha irmãzinha de onze anos entendia mais de encontros do que eu.
- Então fala a sua decisão. Rápido.
- O azul – anunciou ela.
Eu mordi o meu lábio.
- Tem certeza? Por que essa é uma palestra de faculdade. Você não acha que o vermelho me faz parecer mais velha? Mais madura?
Estrela revirou os olhinhos.
- Certo. Veste o vermelho.
- Mas eu achei que você tinha gostado do...
- Lua! – ela levantou–se com um pulo e colocou as mãos no quadril. - Por que você me pergunta, então?
Dei um suspiro.
- Você tá certa. Ok, eu vou vestir... – fechei os olhos e estiquei o braço para escolher o suéter que eu tocasse primeiro. Senti meus dedos percorrerem pelo tecido suave do cardigã azul. - Este aqui! – disse, abrindo os olhos.
O telefone miou, eu puxei a cabeça do Garfield.
- Alô?
- Ei – disse Arthur. Eu olhei para minha irmã, acenando para que ela saísse do quarto.
Ela lançou um olhar indignado para mim e eu falei um rápido “obrigada” antes que ela fosse embora.
Ela lançou um olhar indignado para mim e eu falei um rápido “obrigada” antes que ela fosse embora.
- E aí, o que manda? – eu fui para a cama, carregando o telefone. - Eu não posso ficar muito tempo falando – falei para ele, me espremendo para fora do meu jeans e pegando a calça preta que eu havia separado. - Eu tenho aquela palestra hoje a noite com o Micael.
- Eu sei – disse Arthur. - A palestra de faculdade que você não parou de falar.
- Bem, é muito excitante para mim – eu me defendi, encolhendo a minha barriga enquanto eu vestia a calça e sofria para abotoá–la. A última vez que tinha usado essa calça tinha sido antes de ter desistido de fazer abdominais. Eu gostaria de poder ir com a calça preta que eu havia comprado havia algumas semanas, mas já a usara no meu primeiro encontro com Micael.
- Bem, eu também não posso ficar muito tempo no telefone. Tenho que começar a fazer uns cartazes.
- Cartazes? – repeti, passando um cinto preto pela minha calça.
- Eu queria ter te falado num outro dia: eu decidi concorrer para historiador da escola.
- Você o quê?! – exclamei, despencando na minha cama. Isso só podia ser um pesadelo.
- Eu sei que eu preciso ter algumas atividades extras no meu currículo, e eu acho que não sou popular o suficiente para ser eleito representante da turma. – começou Arthur. - Mas eu gosto de escrever e sou ótimo para registrar coisas, então eu pensei que o cargo de historiador seria perfeito pra mim. Além do mais, não é um cargo com muita importância ou muita glória, mesmo. Quer dizer, eu provavelmente não vou ter nenhum concorrente.
- Você o quê?! – exclamei, despencando na minha cama. Isso só podia ser um pesadelo.
- Eu sei que eu preciso ter algumas atividades extras no meu currículo, e eu acho que não sou popular o suficiente para ser eleito representante da turma. – começou Arthur. - Mas eu gosto de escrever e sou ótimo para registrar coisas, então eu pensei que o cargo de historiador seria perfeito pra mim. Além do mais, não é um cargo com muita importância ou muita glória, mesmo. Quer dizer, eu provavelmente não vou ter nenhum concorrente.
- Bem...
- Mas não pense que eu vou deixar você escapar de me ajudar – acrescentou Arthur. - Eu poderia usar os seus talentos maravilhosos no discurso que eu vou fazer.
Eu engasguei.
Eu engasguei.
- Arthur… hmmm… na verdade, você vai ter uma certa concorrência.
- Quem? Você? – brincou ele.
- Não. Micael.
Silêncio.
- Ótimo – Arthur falou finalmente. - Eu devia ter imaginado.
- Ótimo – Arthur falou finalmente. - Eu devia ter imaginado.
- Eu não posso ajudar vocês dois – falei lentamente.
- Bem, tenho certeza que ele irá entender – disse Arthur. - Afinal, eu e você somos amigos a tanto tempo, e…
- Eu já prometi a Micael que o ajudaria – interrompi, sentindo o meu estomago revirar. - Eu não posso voltar atrás agora e dizer que irei ajudar você.
- O que você vê nele? – Arthur perguntou. - Sinceramente, eu não entendo. Ou você vai me dizer que o jeito que ele agiu aquele dia foi legal?
- Certo, eu desisto. – falei irritada. - Você não entende. Você não entende que Micael é maduro. Ele se comporta de modo mais intelectual. E eu estou começando a agir assim também.
- Então, é um problema seu.
- Também acho – retruquei acidamente.
Arthur soltou um suspiro.
- Eu estou muito triste pela campanha – falei. - Você sabe que eu faria isso por você se as coisas fossem diferentes.
- Eu sei – disse ele. - Não se preocupe. Apenas se divirta hoje e me liga amanhã.
- Ligo – hesitei. - E obrigada por... bem, por entender.
- Tchau, Lua.
- Tchau.
Ao desligar o telefone minha mão descansou sobre o corpo do Garfield por um instante. Estava me sentindo péssima por não ajudar Arthur. Mas eu não podia fazer nada. Ele havia sido o segundo a me pedir ajuda.
E eu queria ajudar Micael. Queria impressioná–lo. Queria trabalhar junto dele em algo fora do Postscript. Eu gostaria de poder ajudar ambos, mas tinha dúvidas se eles concordariam com isso. Afinal, eles estavam competindo.
Sentei na minha penteadeira e vasculhei na bolsa de maquiagem. Um pouco de rímel, um pouco de blush, um pouco de brilho nos lábios. Escovei o meu cabelo, depois pensei em prendê–lo no alto da cabeça em um coque sofisticado. Mas me pareceu demais.
- Lua – chamou minha mãe, da sala. - Micael está aqui.
Agarrei o suéter azul e fitei o espelho. Não havia a menor possibilidade de que eu me passasse por uma caloura de faculdade. Eu seria a pessoa mais nova lá? Talvez eu devesse ficar em casa.
“Pare com isso”, disse a mim mesma. “Se você estivesse indo ver essa palestra com Arthur, não estaria se preocupando desse jeito. Você se sente tão confortável ao lado de Micael como de Arthur. A única diferença é que você sente uma coisa por Micael que nunca sentiu por Arthur. É só por isso que você está nervosa.”
“É normal ficar nervosa desse jeito por alguém que você gosta não é? Não é assim que você deve se sentir?”.
“É normal ficar nervosa desse jeito por alguém que você gosta não é? Não é assim que você deve se sentir?”.
***
-Concluindo – dizia monotonamente a professora Muzacz, olhando suas fichas com anotações -, a decisão de como você irá expressar as suas opiniões em um meio jornalístico é digna de uma intensa consideração, uma vez que as conseqüências do que foi dito podem ter realmente uma grande projeção.
Ela finalmente saiu do púlpito, e a platéia aplaudiu, então eu comecei a bater palmas também. Micael estava radiante de admiração e aplaudia com bastante força.
- Ela não é incrível? – exclamou Micael, enquanto nos levantávamos e seguíamos os outros em direção a uma sala adjacente, onde salgadinhos e bebidas estavam sendo servidos. Nós éramos os únicos alunos do segundo grau lá, apesar de Micael passar facilmente por um universitário com suas calças pretas e seu suéter de lã.
- Ela não é incrível? – exclamou Micael, enquanto nos levantávamos e seguíamos os outros em direção a uma sala adjacente, onde salgadinhos e bebidas estavam sendo servidos. Nós éramos os únicos alunos do segundo grau lá, apesar de Micael passar facilmente por um universitário com suas calças pretas e seu suéter de lã.
- É, foi uma palestra surpreendente – repliquei, apesar de estar surpresa apenas com a capacidade da palestrante ser tão chata. Ela havia sido bastante seca durante toda a conferência e tinha lido as anotações no cartão na maior parte do tempo. Mas Micael parecia estar ao impressionado que achei melhor esconder minha verdadeira opinião.
Estava aliviada de ver toda aquela comida. Peguei um dos pequenos pratos de plástico e enchi de frutas frescas. Eu havia deixado de jantar, já que estava muito nervosa para comer antes do encontro, e no momento em que coloquei o primeiro morango em minha boca, percebi que estava faminta.
“Será que tem algum problema se eu comer um monte dessas coisas?”, pensei ao ver Micael colocando apenas dois pedaços de fruta e algumas torradinhas em seu prato. Provavelmente tinha, senão eles teriam colocado pratos maiores. Tentei não mostrar minha empolgação ao ver uma bandeja com todos os tipos de cookies possíveis.
- Eu quero que você conheça umas pessoas – sussurrou Micael, me guiando em direção a um grupo de adultos. “Pelo menos nós estávamos ficando mais perto dos cookies”, pensei, temerosa de ser apresentada aquelas pessoas com jeito de professores da faculdade.
- Eu quero que você conheça umas pessoas – sussurrou Micael, me guiando em direção a um grupo de adultos. “Pelo menos nós estávamos ficando mais perto dos cookies”, pensei, temerosa de ser apresentada aquelas pessoas com jeito de professores da faculdade.
- Professor Grasi – disse Micael, colocando sua mão sobre o ombro de um homem alto e careca.
- Micael Borges! – exclamou o homem. Então, ele virou–se para as pessoas que estava conversando. - Micael é um aluno do segundo grau que participou de um curso de férias de jornalismo aqui na faculdade comigo – explicou ele. - Ele escreveu uns artigos ótimos.
Tentei evitar de arregalar os olhos. Micael havia impressionado um professor de faculdade? Uau.
- Bem, você sabe o que dizem – Micael sorriu, sem nem ao menos piscar ao receber um elogio que teria me reduzido a uma retardada completa. - Ter um professor que exige o melhor do aluno já é meio caminho andado.
O professor e o grupo que o acompanhavam sorriram.
- Então, quem é sua amiga? – perguntou ele a Micael, sorrindo pra mim.
“Por favor não fiquem vermelhas”, implorei as minhas bochechas, já sentindo um calor subindo pelo rosto.
- Esta é Lua Blanco – anunciou Micael, colocando os braços ao redor dos meus ombros e me puxando mais para o centro do grupo.
- Lua é minha nova co–editora no nosso jornal da escola – continuou ele. - Você deveria ler um dos seus artigos. Ela é incrivelmente talentosa.
“Bem, depois desse elogio era oficial, é impossível não ficar com as bochechas vermelhas.”
O professor Grasi levantou uma sobrancelha.
O professor Grasi levantou uma sobrancelha.
- Um elogio do Micael? Você deve escrever muito bem.
- Eu... eu espero que sim – gaguejei. “Que péssimo”, eu me repreendi.
- Então, gostaram da palestra da professora Muzacz? – o professor nos perguntou.
- Absolutamente fascinante – proclamou Micael. Enquanto ele expunha como as idéias da professora o ajudariam a compor um artigo que estava fazendo, minha atenção foi desviada para bandeja de cookies.
Dei uma escapulida, o que parecia não ter problema algum, uma vez que eu já tinha ouvido sobre o tal artigo. Na mesa de cookies, fiquei em dúvida entre o de chocolate e o de chocolate com gotas de chocolate. “Ai, que difícil!”, pensei pegando dois de cada e colocando em um guardanapo.
Quando retornei pro lado de Micael, toda feliz por estar mastigando, ele ainda falava sobre o artigo. Olhei ao redor e voltei a minha atenção para um casal que estava de pé num dos cantos da sala, um bem próximo ao outro. O rapaz estava tirando uma torrada com cobertura de queijo do seu prato e dando pra garota. Ela sorria e abria a boca de uma maneira sedutora. Depois, levou uma outra torrada em direção a boca da namorada, rindo dela.
Então esse tipo de coisa não se limitava as escolas de segundo grau? Muito interessante.
Eles estavam claramente apaixonados ou se apaixonando. E pareciam estar se divertindo muito.
Eles estavam claramente apaixonados ou se apaixonando. E pareciam estar se divertindo muito.
“É isso, divertiam–se debochando um do outro”, pensei. Não era por que eu estava começando a entender a razão dos casais se comportarem dessa maneira que isso deixava de ser idiota, certo?
Quer dizer, eu não conseguia imaginar Micael colocando uma torradinha cheia de queijo em minha boca nem mesmo em um momento de ultra intimidade.
Retornei minha atenção para ele. Micael estava rindo de algo que o professor falara. “Ele fica tão confortável entre essas pessoas”, notei, meu olhar se concentrando no cacho de cabelo loiro que pendia sobre sua testa. “Ele é tão seguro, confiante e esperto. Para não falar gostoso.”
- Foi um prazer te conhecer, Lua – disse, repentinamente, o professor, estendendo a mão em minha direção. Eu rapidamente engoli o pedaço de chocolate que tinha dentro da boca.
- O prazer foi meu – falei, apertando a mão dele. Enquanto Micael observava o grupo deles se afastar, sua expressão era de profunda admiração. Eu me dei conta que nunca o vira desse jeito antes. Esse era o seu meio.
- Como estão os cookies? – perguntou Micael.
- Muito bons – disse, engolindo.
- Estou surpreso que tenham servido cookies – falou Micael, levantando a mão para tirar algo que estava no canto da minha boca. - Um farelo – explicou com um sorriso. - Esse pessoal normalmente só come frutas, queijos e torradas.
Droga. Eu sabia que não devia ter ido atrás daqueles cookies. Micael era tão bom nesse tipo de situação. Ele sabia como agir, o que falar, quando rir, quando ouvir. Eu me sentia como uma criança.
- Então, por que não vamos? – o sugeriu. - Nós podemos voltar andando pelo parque.
Concordei com a cabeça. Atravessamos o corredor e saímos pela porta da frente.
Concordei com a cabeça. Atravessamos o corredor e saímos pela porta da frente.
- Olha aquilo! Mais parece um monte de monstros dançando! – exclamei, assustadas com as formas esquisitas que as sombras projetadas pelos galhos de um grande carvalho faziam sobre o gramado. Arthur adorava quando as coisas formavam silhuetas engraçadas. Ele poderia ficar a vida toda admirando nuvens, arvores e sombras de pessoas.
- Você é uma gracinha, Lua – falou Micael.
Mais uma vez eu me senti como uma criança. Cookies, monstros... talvez eu devesse convidar Micael para assistir um desenho animado lá em casa.
Na verdade, eu mesma não era tão madura e sofisticada quanto Micael. E o que aconteceria quando ele percebesse isso? Decidiria que não gostava mais de mim?
- Aquele professor parece gostar muito de você – falei, andando rápido pra poder acompanhar o passo de Micael.
- Eu adorei o curso dele. Você deveria fazer nas próximas férias. Tenho certeza que ele ficara impressionado de ter outro aluno que consegue construir uma frase.
- Mesmo? Eu? – sorri e mordi o meu lábio. Um curso de jornalismo na faculdade? Isso seria tão extraordinário. Especialmente se tivessem mais alguns alunos do segundo grau na sala, eu me dei conta. Mas por que um aluno do segundo grau faria um curso de férias na faculdade, afinal de contas?
Micael parecia não apreciar as pessoas em geral, mas parecia ter consideração por mim. Estranho. Há apenas duas semanas atrás, essa “exclusividade” teria me feito pular de felicidade. Mas por alguma razão não me sentia mais assim. Metade de mim amava ser respeitada por ele. Mas a outra metade não gostava de nunca ouvi-lo falar coisas legais sobre os outros.
De repente, ele parou.
- Estou tão feliz que você tenha vindo hoje a noite – falou suavemente, levantando a mão para tocar minha bochecha. - E eu quero muito ver você e os seus amigos amanhã no cinema.
Tum–tum–tum. Tum–tum–tum.
Os dedos deles passaram pela minha pele. Ele chegou mais perto.
E mais perto.
Ele iria me beijar?
Ele inclinou o seu rosto lindo perto do meu, e todos meus pensamentos desapareceram. Aquelas duas metades de mim que antes estava em conflito, repentinamente, fundiram–se, amando tudo que vinha do Micael.
Os lábios dele se encostaram nos meus e eu fechei os olhos. Quando ele se afastou, eu tropecei levemente pra trás, tonta, perplexa.
Quando abri os olhos, Micael estava sorrindo docemente pra mim.
- Que gracinha – disse ele. - Você agiu como se fosse seu primeiro beijo.
“Gracinha.”
“Ótimo. Agora ele acha que eu nunca beijei antes.”
“Ótimo. Agora ele acha que eu nunca beijei antes.”
Será que algum dia eu me sentiria suficientemente preparada para ele?
Ele voltou a caminhar e eu me apressei para acompanhá–lo. Esperei que ele segurasse minha mão, mas as mãos dele não saiam de dentro do meu bolso.
Eu acho que estava certa sobre Micael Borges. Mesmo em um momento de intimidade, ele não era um cara de DPAs.
Ele voltou a caminhar e eu me apressei para acompanhá–lo. Esperei que ele segurasse minha mão, mas as mãos dele não saiam de dentro do meu bolso.
Eu acho que estava certa sobre Micael Borges. Mesmo em um momento de intimidade, ele não era um cara de DPAs.
E não era exatamente um cara assim que eu sempre quis?
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By : Maria Fernanda e Vithória