Capítulo Seis
- Que gracinha – comentou Micael, quando Arthur e Pérola sentaram–se no mesmo lado da mesa da lanchonete T–Boné.
Micael e eu não tínhamos outra saída senão nos acomodarmos um do lado do outro. Até era romântico, mas a situação não estava nada confortável.
Arthur me lançou um olhar que eu ignorei. De repente, fiquei muito interessada nas pequenas letras do cardápio.
Essa coisa de sentar um do lado do outro era mais um exemplo do comportamento bizarro de casais para o meu artigo, que, alias, não havia começado a escrever.
Por que eu não estava me deliciando em escrever todas essas besteiras de casal? Por exemplo, a maneira como Arthur havia dado pipoca para Pérola durante toda a sessão de Intimo e Pessoal. A maneira com a qual ela apoiou a cabeça no ombro dele. A maneira com que ele não largou a mão dela desde que saímos do cinema e entramos no restaurante.
- Você já esteve aqui antes, não é? - perguntei a Micael.
O T–Boné era um grande ponto de encontro da escola Emerson, mas eu não conseguia me lembrar de tê–lo visto em nenhuma das vezes em que fui me empanturrar com meus amigos.
- Lanchonetes não fazem muito o meu gênero – disse Micael pegando um dos cardápios gigantes. - Prefiro restaurantes. Mas eu sei que lanchonetes fazem muito sucesso com alunos do segundo grau. É uma gracinha, na verdade.
Pérola e Arthur trocaram olhares. O sorriso forçado na cara de Arthur não iria durar por muito tempo. Eu o conhecia bem.
- Micael me levou para um restaurante italiano super elegante no fim de semana passado. – contei.
Eu senti que precisava explicar, fazê–los entender que o gosto dele era apenas mais refinado que o nosso. Havia algo de tão terrível nisso? Por que eles não conseguiam enxergar o quanto Micael era maduro?
Pérola balançou a cabeça, e Arthur começou a estudar o cardápio. Micael examinava o cardápio com a mesma concentração adorável que surgia sempre que lia algo.
De repente, a lembrança do beijo surgiu na minha mente. Ou melhor, dos beijos. Na noite anterior, ele tinha me acompanhado até em casa e me beijado novamente antes de nos despedirmos. Só que nessa segunda vez eu tentei agir como se aquele beijo não fosse algo muito extraordinário.
Mas foi.
Este era o nosso terceiro encontro oficial. Micael estava definitivamente a caminho de se tornar o meu namorado.
- Então, Micael, o que achou de Intimo e Pessoal? – perguntou Arthur ao fechar o cardápio. Lancei um olhar de advertência a Arthur, conhecendo o tom de rivalidade em sua voz.
Micael suspirou, fechando o cardápio e retirando o cabelo da frente do rosto.
- Foi ok. Pra esse tipo de filme.
Pérola franziu o nariz.
- O que você quer dizer com isso? – perguntou ela.
“Era impressão minha ou ela e Arthur se ajeitaram para ficar bem mais grudados?”, notei.
- Bem, você não pode esperar que a versão de Hollywood para o jornalismo seja muito acurada, certo?
- Mas o enredo era decente. – cortou Arthur, colocou os seus cotovelos sobre a mesa e inclinando–se para frente.
Micael deu uma risada.
- Totalmente batido – ele balançou a cabeça. - Nada como a boa e velha história sobre a garota do interior que quer vencer na vida. Ela vai para a cidade grande, encontra o homem dos seus sonhos, e nas horas vagas, torna–se a maior jornalista da América.
Eu soltei uma risadinha e sorri para Micael. Então reparei o mau humor no rosto de Arthur.
- Ah, vai – argumentei. - Até mesmo você tem que admitir que aquele filme tinha um sentimentalismo acima da média.
Arthur fitou os meus olhos e mentalmente, eu aleguei que ele deveria desistir daquela discussão.
- Então todos já sabem o que vão pedir? - perguntou ele.
Suspirei mexendo em meu garfo. Agora Micael e Arthur tinham ainda menos tolerância um com o outro.
- Ei, crianças, o que querem?
Arthur sorriu para mim. Nossa garçonete favorita estava com o lápis sobre o seu bloco de papel.
Maxi usava toneladas de maquiagem e roupas bem extravagantes. Arthur e eu a amávamos. Micael levantou a cabeça para olhá–la, deu umas duas piscadas, então virou–se para mim, sorrindo e revirando os olhos.
- Cheeseburguer e um milk shake de chocolate – disse Arthur.
- O mesmo, mas com milk shake de baunilha. – pedi.
Pérola deu uma risadinha.
- O mesmo, mas com milk shake de chocolate e queijo nas batatas fritas também.
Micael fechou bruscamente o seu cardápio.
- O prato light de frutas e um chá gelado – ele abaixou sua voz. - Vocês deviam ficar longe da carne vermelha e do queijo. É como assinar uma sentença de morte.
- Eu vou me lembrar disso – Arthur falou secamente. Ele virou–se para Maxi. - E faz mal passado, por favor.
- É pra já, crianças – disse Maxi, escrevendo o pedido com empolgação.
Depois disso, Arthur e Pérola começaram a ter sua conversa particular, então Micael e eu começamos a discutir sobre a palestra da professora. Era como se nós fossemos dois casais separados que não se conheciam e estavam sendo forçados a dividir uma mesa.
- Aqui está, crianças – anunciou Maxi, colocando três milk shakes de chocolate e o chá gelado do Micael sobre a mesa. Eu olhei para a taça na minha frente, então me virei para Arthur. Ele hesitou, como se estivesse esperando que Micael notasse que a garçonete havia errado o meu pedido. Todos que me conheciam sabiam que eu amava milk shake de baunilha. E que eu não me sentia a vontade para falar com garçonetes.
Micael tomou um grande gole do seu chá gelado.
- Maxi? – Arthur chamou assim que ela foi saindo.
Ela virou–se.
- O que foi, querido?
-Ah, você sabe o quanto a senhorita Blanco gosta de milk shake de baunilha, Maxi. – disse Paul. - O chocólatra aqui sou eu.
Ela sorriu para mim e empurrou a taça que estava na minha frente para o lado de Arthur.
- Então você vai beber esse aqui também, por minha conta. – falou ela. - Eu já volto com o seu milk shake Lua.
- Ela poderia ter se desculpado. – comentou Micael. - Ela já pode desistir de receber uma boa gorjeta.
- Maxi é uma ótima garçonete. – disse Arthur pegando o seu milk shake, ele parecia chateado.
- Ela é uma amiga nossa. – acrescentei, rapidamente. Eu sabia que Micael só estava querendo me defender. Arthur não conseguia perceber isso?
Micael revirou os olhos.
- Deixa pra lá. De qualquer modo, Arthur, você tem trabalhado no seu discurso para o debate de historiador da escola?
- Humm – replicou Arthur. - Eu já fiz um bom primeiro rascunho. Tenho mexido nele de vez em quando.
- Certo. – disse Micael. - Eu escrevi o meu ontem, entre as aulas.
- Olha, eu tenho que te cumprimentar por isso – falou Arthur. Lancei um olhar nervoso pra ele. - Deve ser duro fazer um texto satisfatório quando se escreve apenas durante intervalos – ele sorriu inocentemente.
Micael franziu a testa.
- Não se você for um escritor.
Eu dei um suspiro, desistindo oficialmente da esperança de que Arthur e Micael pudessem se dar bem.
Ficamos todos aliviados quando os nossos pratos foram servidos. Afinal, não precisávamos mais conversar. Podíamos nos ocupar estufando a barriga.
Ainda me surpreendia que Arthur e Pérola continuavam aninhados, grudados um ao outro, mesmo quando comiam cheeseburguer e batata fritas. Enquanto isso, entre eu e Micael havia espaço para uma pessoa inteira se sentar. Isso significava algo também? Talvez, no final de contas, ele não gostasse mesmo de mim.
“Não se esqueça daquele beijo incrível e de todas as coisas legais que ele tem falado pra você. É lógico que ele gosta de você. DPAs não fazem o gênero dele, só isso. E não faziam o seu gênero também. Até que você se juntou a Micael.”
Finalmente acabamos de comer, e quando Maxi deixou a conta sobre a mesa, nos precipitamos sobre ela como se fosse à chave para sairmos de alguma prisão.
- Por que eu não coloco isso no meu cartão e vocês me dão o dinheiro? – sugeriu Micael, levantando–se para pegar a carteira de dentro do bolso de trás da sua calça.
Os queixos de Arthur e Pérola caíram, quase do mesmo modo que o meu caiu no La Dolce Vita. Então eles trocaram mais um daqueles olhares “qual é a dele?”, provavelmente o milonésimo da noite. Tudo bem era estranho que um cara da nossa idade tivesse um cartão de crédito, mas eles precisavam ser tão duros com Micael?
- Esse lugar não aceita cartões de crédito – falou Arthur, com um tom de triunfo na voz.
Micael ficou pálido, e olhou para mim, com sua boca encolhida.
- Ah…
- De qualquer modo, eu te devo um dinheiro mesmo. – falei de sobressalto, imaginando que não havia nada na carteira de Micael, além de plástico. Eu não ia deixar Arthur pensar que Micael estava me deixando mal por eu ter que pagar para ele.
- Espera um minuto – disse, abrindo a minha bolsa e procurando minha carteira da Hello Kitty, que também tinha sido outro presente do Arthur. - Aqui – falei colocando o dinheiro sobre a mesa.
Eu me recusava a olhar para Arthur.
Nós contamos a quantia certa e Arthur colocou o suficiente para pagar a parte dele e a parte da Pérola, então Micael recolheu tudo e caminhou para a caixa registradora.
- Eu vou ao banheiro – disse Pérola, levantando e largando a mão de Arthur.
Assim que ficamos sozinhos, eu me virei para Arthur com uma expressão furiosa.
- Qual é o seu problema? – explodi. - Por que você está sendo tão idiota?
- Eu? – exclamou Arthur, com seus olhos arregalados. - E o seu namorado?
- Primeiro de tudo ele não é meu namorado – falei. - Ainda. Mas espero que isso mude. Por que não pode dar uma chance a ele? Eu estou tentando ser legal com a Pérola, certo?
- Isso não é difícil – retrucou Arthur.
- Bem, eu não fiz nenhum comentário sarcástico apesar de você e Pérola terem ficado praticamente colados um ao outro durante todo tempo! – percebi que estava quase gritando e abaixei minha voz. - Por que você não consegue ficar feliz por mim?
- Eu só... – deu uma pausa, olhou na direção de Micael, depois para mim. - Eu só acho que ele não é o cara certo pra você. Mas… eu não sei, quer dizer... Talvez eu ache que ninguém possa ser, entende?
Preguei os olhos nele, chocada. Por que aquilo tinha sido a coisa mais confortante que eu ouvira toda a noite? Eu estava aliviada por perceber que ele ainda alimentava sentimentos especiais em relação a mim.
Mas por quê?
Ele era o mesmo velho Arthur de sempre. Meu melhor amigo. O cara que eu conhecia, melhor do que qualquer pessoa. O cara que me conhecia melhor do que qualquer pessoa. O cara com que eu nunca teria que ficar nervosa.
- Olha, esqueça isso - disse ele. - Eu apenas nunca serei um grande fã de Micael, ok? Mas eu prometo que eu vou tentar lidar com ele na medida em que ele te fizer feliz.
Eu sorri.
- Obrigada. E eu prometo que não vou revirar os olhos sempre que vir você e Pérola se contorcendo como duas lombrigas.
- Mas isso… você tá realmente incomodada com esse nosso lance? – perguntou, enquanto um intenso e estranho brilho surgiu em seu olhar. - Ou todas as DPAs te incomodam do mesmo jeito? Eu pensei que você havia mudado sua opinião agora que está apaixonada. Mas pelo jeito que as coisas são entre vocês dois, eu acho que não.
Foi como se eu tivesse sido atingida por um caminhão ou algo parecido. Arthur havia me perguntado tantas coisas de uma vez só, que eu nem sabia as respostas.
- Ei, desculpa por ter demorado tanto! – ergui a cabeça e vi Pérola em pé ao lado da nossa mesa. Ela sorria para Arthur, mas havia algo em seus olhos que fazia o sorriso parecer forçado.
Arthur levantou, envolveu–a com o braço e puxou–a para perto de si.
Micael voltou do caixa.
- Bem, acho que já podemos ir.
Todos sorrimos aliviados.
***
Deixei meu corpo cair pesadamente na cama e me cobri com o edredom. Um caderno repousava sobre a minha barriga. Eu tinha que começar a escrever o meu artigo sobre o dia dos namorados. Mas não conseguia me concentrar, não conseguia entender com todas aquelas opiniões fortes que eu tinha.
O mais assustador é que eu havia começado a sonhar com o que eu ganharia de Micael no dia dos namorados.
Naquela noite, depois que nós saímos da lanchonete, Arthur e Pérola viraram para a esquerda; Micael e eu viramos para a direita. Ele me acompanhou até em casa e nossa conversa se concentrou no filme em que havíamos assistido – que, por sinal, Micael havia odiado. Mas ele não falou nada negativo sobre o encontro em si, o que eu achei super legal da parte dele.
Meus dedos começaram a formigar com a lembrança do beijo. Nós havíamos ficado em pé diante da minha casa, nos olhando fixadamente. Então, antes que eu percebesse o que estava acontecendo, ele pegou meu queixo com a mão e inclinou–se lentamente, encostando suavemente seus lábios nos meus.
Senti meu corpo inteiro amolecer. Seus braços me envolveram enquanto ele me beijava mais intensamente…
Garfield miou, me retirando de minhas memórias. Eu pulei da cama para agarrar o telefone, esperando a voz grave de Micael a me desejar bons sonhos.
- Ei.
- Oi, Arthur.
- Escute, eu estou realmente arrependido por hoje à noite.
- Tudo bem. – falei distraidamente. - Eu acho que você e Micael não foram feitos para serem grandes amigos mesmo.
- Você está bem?
- To ótima – falei, quase piando. Arthur me conhecia bem o bastante para saber que toda vez que eu soava como um passarinho era por que não estava bem de fato.
- Ah, que bom. Bem, de qualquer modo, me fala o que você achou da Pérola. Eu queria muito ouvir sua opinião.
Isso era estranho. Ele nem havia percebido a minha voz de periquito?
-Ela parece ser bem legal – disse, bem sincera. - Mas eu não conversei muito com ela.
- Quer sair com a gente amanhã a tarde? – perguntou ele. - Você pode aproveitar para conhecê–la melhor. Acho que vocês iriam se dar bem.
Eles se viam em dois dias seguidos? Era sério mesmo.
- Amanhã? – hesitei. Eu tinha planejado ajudar Micael em sua campanha durante a tarde, mas não queria mencionar isso a Arthur. - A que horas?
- Por volta das duas. Eu vou levar Pérola ao Bowl–a-Rama.
Dei uma piscada.
- Ah – tentei falar algo. De algum modo aquilo soou estranho, Arthur levando Pérola ao nosso ponto de encontro. - A Pérola gosta de jogar boliche? – perguntei. Fiquei imaginando se Micael já teria alguma vez jogado boliche. Até então, nós não havíamos conversado sobre nada a não ser jornalismo.
- Ah, na verdade, não – ele deu uma pausa. - Quer dizer, ela nunca jogou boliche, é isso. Mas eu imaginei que nós pudéssemos ficar na sala de fliperamas.
Eu soltei uma gargalhada.
- E você quer que eu te dê uma “surra” na frente de Pérola?
- Perdão? Eu sou o campeão reinante dessa amizade, Lua, e... – fez um clique no telefone. - Ah, espera um minuto.
Esperei enquanto Arthur respondia a outra chamada.
- Ei, Lua? A Pérola está na outra linha. Eu tenho que desligar.
- Ah, tudo bem – falei.
Mas eu estava chocada. Arthur nunca havia desligado o telefone no meio de uma ligação comigo, por ninguém. “As coisas são diferentes agora”, lembrei a mim mesma. “E isto é bom”.
- Vejo você amanhã – continuou Arthur. - Você pode me encontrar lá certo?
Mordi o lábio.
- Ah… certo.
- Ok, até lá.
Eu fitei o aparelho eletrônico.
Outra garota havia tomado o meu lugar na vida de Arthur.
Transcrição da entrevista com Mel Fronckowiak.
Lua: Você tem alguma recordação especial do dia dos namorados?
Mel: Infelizmente não. Eu nunca ganhei um presente no dia dos namorados. Bem, exceto um presente da minha mãe, mas isso não conta.
Lua: Mas você já namorou diversos garotos, por que o dia dos namorados é tão importante?
Mel: Ah, vai é super difícil. Você tem que olhar todas as outras garotas com bombons, bichinhos de pelúcias e flores, e além disso os casais ficam ainda mais grudados. O pior é ver o cara que você está a fim entregando presentes para a namorada dele. Alex terminou comigo em janeiro do ano passado, aí, um tempo depois, no dia dos namorados, eu entrei na aula de inglês e lá estava a nova namorada dele com um buquê enorme que ele havia dado. Foi muito doloroso.
Lua: Tudo bem, então talvez nos devemos focar no futuro. Quais são os seus planos para o próximo dia dos namorados?
Mel: Eu tenho que encontrar um par para o baile, aí eu não vou me sentir uma perdedora completa. Mas, acredite em mim, a coisa mais difícil desse dia é ver o cara que você gosta com outra garota.
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By : Maria Fernanda e Vithória