Capítulo Oito
- Isso é uma droga – declarei ao desligar a televisão. Eu havia passado todo o meu dia assistindo a programa de entrevistas e novelas, não agüentava mais.
“É claro que eu precisava ficar doente exatamente no dia em que tanto Pedro quanto Estrela tinham atividades depois da escola”, pensei, me sentindo uma miserável. Naquela hora eu poderia estar jogando vídeo game com meu irmãozinho. Ao menos haveria algum tipo de contato tridimensional.
Eu estiquei o braço para pegar um lenço de papel da caixa que já estava quase vazia quando o telefone tocou. Pulei do sofá e corri da cozinha para atendê-lo.
-Alom? – tentei falar. “Nariz entupido incomoda tanto.”
-Oi, Lua?
“Micael”
Obviamente ele tinha percebido que eu não tinha ido a escola e estava me ligando pra saber como eu estava me sentindo! Como era carinhoso!
- Você está resfriada? – perguntou ele.
- To. Eu acordei hoje de manhã e mal conseguia respirar – respondi ao deixar o corpo cair sobre uma das cadeiras da cozinha, apoiando os meus cotovelos sobre a mesa.
- É mesmo. Você estava espirrando um monte ontem – disse ele. - Como está se sentindo agora?
- Um pouco melhor, eu acho – falei e assoei o meu nariz novamente.
- Que bom. Então, você acha que vai a escola amanhã?
Ele sentiu falta de mim de verdade! A dor do meu nariz vermelho de tanto ser assoado, já estava começando a desaparecer.
- Eu acho que sim – falei. - Mas meu resfriado está bem forte.
- Ah… sabe, eu notei que precisava usar mais alguns cartazes pra minha campanha. Eu colei aqueles que você terminou ontem, mas seu amigo Arthur fez uns realmente profissionais. Então, se você for à escola amanhã e não estiver tão mal, talvez pudesse trabalhar em mais alguns cartazes durante a tarde.
Arthur tinha cartazes profissionais para a campanha? Hã?
- E eu marquei uma reunião rápida do Postscript para hoje – continuou ele. - Dale saiu do jornal por causa de um motivo bobo, então eu repassei o artigo que ele estava escrevendo para você. Se você concordar, é claro. Poderia ser alguma coisa relacionada ao curso de música da escola.
- Ah...certo. Sem problemas. – falei, sem pensar. Por que ele estava falando comigo como se eu ainda fosse sua assistente em vez de sua co – editora? “Não é por culpa dele que você ficou doente e faltou a reunião”, disse a mim mesma.
Certamente Micael não tinha tempo de escrever o artigo, e ele confiava mais em mim do que em qualquer outra pessoa para fazer isso. O que era um elogio.
- Ótimo. – disse ele. - Isso será um grande favor. E como vai indo o seu trabalho sobre o Dia dos Namorados?
Na verdade, era um tanto duro me manter cínica agora que eu também fazia parte dos “cegos de amor”. Por isso eu ainda não havia marcado aquela entrevista com Arthur e Pérola. Era muito difícil assistir meu amigo fazendo todas aquelas coisas sentimentais e carinhosas que eu desejava que Micael fizesse.
Mas eu apostava qualquer coisa que a visão de Micael havia mudado também. Quer dizer, como poderia não ter mudado depois de todos aqueles beijos de perder o fôlego que havíamos dado? E qual o melhor modo de fazê–lo perceber isso senão entrevistando–o.
- Hum… Micael, eu gostaria muito de entrevistá–lo para o meu artigo sobre o dia dos namorados.
- Se eu tiver tempo, é claro – disse ele. - Eu estou realmente ansioso para o baile no sábado a noite. Nós iremos colher um excelente material.
- Com certeza – retruquei, instantaneamente começando a sorrir com o pensamento do baile. “Um excelente material, para nos mostrar o quanto mudamos”. - Eu estou ansiosa por isso também – completei.
Eu tinha a sensação de que depois daquele baile eu e Micael nos tornaríamos um casal de verdade. De certa forma já éramos, mas não oficialmente. Eu não queria levantar nenhuma conversa sobre isso, por que sabia como Micael reagia em relação a rótulos.
Mas se eu queria chamá-lo de meu namorado, talvez ele quisesse me chamar de sua namorada também.
“Micael Borges, meu namorado”
– Eu tenho que estudar para uma prova – continuou Micael. – Até amanhã.
– Até amanhã – repeti, consciente do sorriso sonhador no meu rosto.
A campainha soou no exato momento em que desliguei o telefone.
Espiei através da cortina que cobria a janela de vidro da porta: Arthur.
Ele não se importaria com a minha aparência de desastre completo, certo? Claro que não! Ele já havia me visto pior do que isso inúmeras vezes. Dei uma conferida no visual pelo espelho ao lado da porta. Eu estava péssima, mas não havia nada a fazer em relação a isso.
“É só o Arthur”, falei a mim mesma. “Qual o problema?” Talvez fosse porta Pérola estivesse sempre bonita e arrumada.
Abri a porta. Arthur sorriu para mim.
– Eu trouxe um kit completo de saúde para você – anunciou ele, levantando a enorme sacola de compras que carregava. Arthur me seguiu até a sala e afundou no sofá, colocando a sacola sobre a mesa de centro. Ele olhou o meu rosto bem de perto. De repente, eu desejei não estar tão feia.
– Parece que seus olhos estão bem – disse ele. – Então, provavelmente não há febre, certo?
Eu balancei a cabeça, rindo do diagnóstico amador dele.
– O único problema é o meu nariz, que está me deixando maluca! – expliquei, sentando-me ao lado dele no sofá. Arthur enfiou sua mão dentro da sacola e retirou uma caixa de lenços de papel e uma lata de sopa de galinha.
– Isso deve ajudar – falou, colocando tudo sobre a mesa. – E os lenços têm aquela coisa hidratante que não deixa o nariz ficar machucado.
Ri, maravilhada de como os presentes dele eram perfeitos.
– Arthur, muitíssimo obrigada! Isso é exatamente o que eu preciso.
– Bem, você provavelmente não precisa disso – falou, puxando um maço de folhas de papel deixando-o cair entre nós dois. – Eu pedi aos seus professores que me passassem as suas tarefas de casa, pois eu sei que você odeia ficar atrasada. Mas antes que você se preocupe, tem um pouco de diversão também.
Então, ele sacou um vídeo: Grease, nos tempos da brilhantina, um dos meus filmes favoritos.
– Que máximo! – exclamei. – Tem pipoca na sua sacolinha de delícias também? – perguntei ansiosa.
– Sinto muito – Arthur balançou a cabeça, seus olhos piscando –, mas pipoca não é bom para você.
Eu grunhi.
– Ah, vai doutor, é só um resfriadinho.
Ele colocou a mão na minha testa para checar a minha temperatura.
– É mais do que isso, minha doente.
Eu empurrei a mão dele para longe, mas por causa do remédio para gripe que havia tomado e do movimento brusco, eu cambaleei para frente sobre ele. Ele levantou as mãos para me parar, segurando meus braços. Nossos rostos ficaram a apenas alguns centímetros de distância, e nos olhamos, sem falar nada, sem rir, sem nem sorrir. Eu tive um estranho impulso de acariciar aquele tufo de cabelo que saía de sua nuca. Um estranho impulso…
Tum-tum-tum. Tum-tum-tum.
“Ahn? O que está acontecendo aqui? Este é o Arthur. Meu melhor amigo.”
Eu engoli a seco e me movi um pouco para trás.
– Desculpe – murmurei.
– Você sempre ataca seus médicos? – falou, esforçando-se para fazer uma brincadeira. Mas ele não estava sorrindo, e sua voz estava com um tom mais grave. – Então… eu acho melhor eu ir embora – disse ele, levantando do sofá.
Ele também tinha sentido aquilo. Caso contrário, estaria colocandoGrease no videocassete, esquentando a sopa e me contando algo engraçado que acontecera durante o almoço.
Alguma coisa muito estranha tinha acabado de acontecer entre nós. Arthur sabia disso e eu também.
Alguma coisa muito estranha tinha acabado de acontecer entre nós. Paul sabia disso e eu também.
- Eu tenho que, eh, encontrar a Pérola daqui a pouco – acrescentou ele. – Ela está me ajudando com o meu discurso. Para o cargo de historiador.
Pérola. Bom, talvez eu estivesse errada. Talvez eu estivesse completamente errada.
Ela estava ajudando Arthur em sua campanha? Ah, então era por isso que ele tinha cartazes profissionais. Pérola era ótima com desenhos e arte. Eu deveria ter imaginado que ele pediria ajuda a ela. Será que existia alguma parte da minha vida que essa garota não tinha tomado conta?
- Bom, obrigada por tudo – agradeci e me levantei.
- E Pérola me contou que está se preparando para ser entrevistada por você para a edição sobre o Dia dos Namorados. Ela disse que amanhã antes da primeira aula seria ótimo para ela. Isso se você for à escola.
A última coisa que eu queria fazer era entrevistar a Pérola.
- Humm, é… legal. Tenho certeza de que eu vou me sentir melhor quando acordar.
- Ok, então melhore – ele andou em direção à porta, com uma expressão claramente artificial.
Eu abri a porta, sem querer que ele saísse, sem querer que ele ficasse. O que eu queria?
Ele se inclinou e me beijou na bochecha. Exatamente como já havia feito um milhão de vezes antes.
Mas dessa vez a sensação estava mais presente. Da sua proximidade. Do seu perfume de sabonete. Ele desceu os degraus aos solavancos, virando-se para acenar, e eu sorri para ele.
“Por favor, espero que isso seja o remédio afetando o meu cérebro, o meu sistema nervoso e o meu coração”, eu rezei. Tinha que ser o efeito do remédio para gripe. Tinha que ser.
Transcrição da entrevista com Pérola Faria
Lua: Então, na sua opinião qual é o propósito do Dia dos Namorados?
Pérola: [Risadas] Bem, isso não é meio óbvio? [Mais risadas] Eu mal posso esperar para ver Arthur vestido para o baile. Eu sei que ele vai ficar lindo. Eu acho que ele deveria usar gravata, mas ele falou que…
Lua: Não gosta de gravatas, eu sei. Humm, você tem alguma expectativa em relação a essa data?
Pérola: Lógico! Como você pode realmente gostar de alguém e não ter expectativas? É o dia reservado para todas essas coisas românticas e piegas. Bombons, flores, corações, você sabe. E muitos e muitos beijos. Eu já falei que Arthur tem o beijo mais maravilhoso que eu já...
Lua: Ok, Pérola, muito obrigada. É tudo de que eu preciso.
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By : Maria Fernanda e Vithória