Capítulo Sete
Arthur estava debruçado sobre uma máquina de fliperama, e Pérola estava em pé ao lado dele, sorrindo. A calça creme e o suéter de tricô preto que ela usava a deixavam com uma aparência muito delicada para o local. Dei uma espiada na minha roupa, calça jeans e camiseta azul-marinho de mangas compridas, e me senti um tanto mal vestida ao lado dela.
– Oi, pessoal.
– Espera só um... – resmungou Arthur, apertando os botões para manter aquela pequena bola de metal em movimento. – Arrgh. Detonei! É, bem, de qualquer modo a Pérola não é muito ligada em fliperama.
– Isso me deixa com dor de cabeça – admitiu ela.
– Agora que você chegou, nós podemos jogar Super Pinball – disse Arthur.
Eu percebi um certo nervosismo nos olhos de Pérola.
– Não é tão difícil assim – eu lhe disse, enquanto seguíamos Arthur em direção aos fundos da sala de jogos.
Ela sorriu agradecida e chegou um pouco mais perto de mim.
– Eu nunca havia vindo num lugar como esse antes – sussurrou ela – O que você já deve ter reparado. O Lee me preveniu para tomar cuidado com o lugar onde eu vou me sentar com essa calça.
Arthur tinha apresentado a Pérola ao Lee? Eu senti uma outra pontada daquela dor estranha. Lee era meu amigo, meu e de Arthur, e ele já estava dando conselhos a Pérola de como evitar uma conta na lavanderia?
“Pare de bobeira”, eu me repreendi. Lee conversava com diversas pessoas além de Arthur e eu. Então, qual o problema se Pérola era uma delas agora?
– Chegamos – falou Arthur, tomando a mão de Pérola. – Ta vendo? Parece com uma pequena pista de boliche, não é? – ela concordou com a cabeça. – A diferença é que você não vai ficar tentando derrubar nada, apenas deixar as bolas caírem naqueles buracos com o maior número de pontos. Entendeu?
Ela balançou a cabeça, olhando tensa para mim. Será que ela estava com medo de bancar a idiota na frente de Arthur? “Ela realmente deve gostar muito, muito dele”, pensei.
– Vamos fazer um jogo-teste juntos – sugeriu Arthur. Ele enfiou uma ficha na máquina, então ficou de pé atrás de Pérola e segurou o seu braço, guiando-a para balançar a bola.
Eu balançava o corpo para frente e para trás sobre os meus pés, mordendo os lábios, enquanto observava o modo gentil como Arthur segurava o braço de Pérola e a ensinava as etapas do jogo.
Ele era tão amável. Tão paciente. Tão carinhoso.
Tão bonito.
“Espere aí. De onde veio esse pensamento?”
Sim, Arthur era bonito. Mas ele sempre havia sido bonito, era apenas mais um fato. Então, por que eu estava percebendo isso de um modo diferente agora?
“É só porque ele está aqui com Pérola e você está observando a maneira como ele olha pra ela. Isso faz sentido.”
Fiquei pensando como seria estar ali com Micael, mas não conseguia imaginar nós dois trocando carinhos como Arthur e Pérola.
Finalmente Pérola pegou o jeito do jogo, e eu fui para a máquina ao lado de Arthur. Durante os primeiros minutos Arthur continuou fazendo pausas para ajudá-la, mas logo ele ficou envolvido pelo jogo e nós começamos a nossa disputa habitual.
– Olha isso! – eu cutuquei o ombro de Arthur e marquei 520 pontos no meu placar.
– Como você fez isso? – ele perguntou surpreso.
– Fiz quinhentos! – anunciei orgulhosa.
– Ok, agora você está em maus lençóis por causa disso – falou Arthur, sorrindo pra mim.
– Eu vou dar um tempo – Interrompeu Pérola. – Tem um garoto lá esperando por essa máquina, e eu to com um pouco de sede mesmo.
Arthur olhou para mim e, em seguida, para Pérola.
– Ah, tudo bem – falou ele. – Você quer que a gente te acompanhe?
– Não – ela assegurou a ele. – Eu volto já. Só vou pegar um refrigerante.
– Tudo bem – Arthur olhou aliviado. Ele a beijou na bochecha e ela foi embora.
Arthur e eu reassumimos o jogo e, pouco tempo depois, nós já estávamos rindo e fazendo piadas.
– Droga, acabaram minhas fichas – falei.
Ele enfiou a mão no bolso e retirou duas fichas, colocando-as em uma das máquinas.
– São as minhas últimas – falou. – Vamos rachar.
Eu sorri. Pelo menos algumas tradições continuavam sendo só nossas, como jogar o último jogo juntos. Nós ficávamos nos revezando na mesma máquina, assistindo às jogadas um do outro.
– Empatamos! – anunciei.
– Uau! Nós dois somos muito bons! – Arthur me deu um grande abraço, e colocou meus braços ao redor do seu pescoço, sorrindo. Então ele começou a me girar, tirando os meus pés do chão. Nós rimos tanto que quase caímos. Mas então, subitamente, ele me colocou no chão e deu um passo para trás.
Eu me virei, e lá estava Pérola, nos observando com uma expressão de “vou-começar-a-chorar”. Arthur andou em sua direção, mas ela correu para a lanchonete.
– Deixe que eu converso com ela – falei para Arthur. – Posso explicar isso.
Ele assentiu com um movimento de cabeça, e eu fui atrás dela.
Ela estava sentada em um banco da lanchonete, rasgando um guardanapo. Parecia que ia começar a chorar a qualquer momento.
– Pérola, – falei suavemente, sentando-me ao lado dela – eu sei que deve ter parecido estranho, mas...
– Lua, – a interrompeu – eu sei que vocês dois são apenas amigos. Arthur já me falou isso – a expressão do rosto dela estava definitivamente na zona de perigo, mudando do vermelho para as lágrimas. – Mas o jeito como ele fala de você, e o modo como vocês ficam juntos...
Eu balancei a cabeça.
– Nós nos conhecemos desde que brincar em montes de lama era a coisa mais importante na vida. – expliquei. – Então, nós apenas… quer dizer, nós temos essa maneira natural de nos comunicarmos, como se estivéssemos um na mente do outro às vezes. E é por isso que eu sei que ele está totalmente maluco por você.
Ela virou-se pra me ver.
– Mesmo? – perguntou.
– Sim, mesmo. Você deveria ver o modo como ele se empolga ao falar de você. Pérola, você tem feito ele tão feliz... – eu emperrei. Talvez toda aquela conversa melosa estivesse afetando o meu cérebro. – Não há nada com que você tenha que se preocupar, acredite em mim.
”É, porque Arthur adquiriu esse novo hábito de me dispensar – que havia acabado de acontecer literalmente – sempre que você liga ou aparece.”
– Eu vou lá pedir desculpas – disse Pérola. – Obrigada, Lua. Eu to me sentindo uma idiota.
– Sem problemas – garanti a ela.
Mas por que, de repente, eu senti como se também precisasse ser confortada?
Ela saltou do banco.
– Você não vem?
– Ah, acho que não – respondi. – Eu tenho que encontrar o Micael daqui a pouco. Dê “tchau” pro Arthur por mim, ta bem?
Ela concordou com a cabeça.
– Obrigada novamente.
Ainda que eu estivesse indo encontrar Micael, me senti deprimida ao sair do Bowl-a-Rama. Arthur havia trazido Pérola para o nosso ponto de encontro, para o nosso mundo, e ela nem mesmo gostava daquele lugar. Como alguém podia não amar fliperama e boliche?
E mais importante, como Arthur podia amar uma garota que não amava todas essas coisas?
Aaaa... tchim! Ugh. Como era embaraçoso espirrar – um grande, barulhento e horrível espirro – na frente do Micael! Aaaaaa... tchimm!
Ele continuava a digitar em seu laptop. Estávamos em seu quarto, que era imaculado de tão arrumado. A única exceção era a bagunça que eu havia feito com cartolina, giz de cera, cola e purpurina sobre o carpete ao lado da cama dele. Ou a mãe dele era uma exímia faxineira ou Micael era muito, muito, muito organizado.
Era tão legal estar na casa dele, no quarto dele. Eu pensei que poderia conhecer um pouco mais sobre ele, vendo os pôsteres nas paredes ou as coisas favoritas que ele mantinha ao redor, mas só havia coisas comuns de se encontrar num quarto e alguns poucos livros sobre jornalismo.
– Aaaa... Tchimm!
– Posso pegar um lenço? – perguntei a ele.
Sem respostas.
– Micael? Um lenço? – repeti.
Ele agarrou a caixa e a passou pra mim sem nem virar a cabeça.
– Obrigada – retirei alguns poucos lenços, extremamente atenta à quantidade de barulho que fazia para assoar o nariz. Isso era tão embaraçoso! E tão idiota. Quer dizer, eu até poderia imaginar a Sophia ficando preocupada por soltar espirros barulhentos diante de um namorado. Mas eu? Arthur teria rido da minha cara se pudesse ler meus pensamentos nesse momento. Eu já devia ter espirrado um milhão de vezes na frente dele durante esses nove anos, sem uma ponta de constrangimento.
Era justamente esse tipo de coisa que eu pretendia ridicularizar em meu artigo anti-Dia dos Namorados. Tenho certeza de que Sophia e mais milhares de outras garotas sairiam correndo do baile em estado de pânico se começassem a espirrar dessa maneira na presença de seus pretendentes. E eu achava isso a coisa mais estúpida do mundo.
Antes de conhecer Micael.
Eu só esperava não ter pego uma gripe. Faltavam apenas seis dias para o Dia dos Namorados.
Coloquei minha atenção de volta no cartaz da campanha que estava fazendo. Eu não era uma grande artista – cola, papel e purpurina estavam espalhados por toda parte. A única técnica que eu dominava era o giz de cera.
– Então, como vai indo a edição do seu discurso? – perguntei para as costas dele.
– Ah-hã – respondeu ele.
Suspirei. Quando Micael me convidara para ajudar em sua campanha, a última coisa que eu imaginara era ficar sentada no chão de seu quarto com manchas brilhantes grudadas no dedão. Eu havia me imaginado trabalhando em seu discurso, usando o cérebro em vez das minhas mãos claramente ineficazes.
“Como se Micael Borges necessitasse de alguém para ajudá-lo a escrever. Isso seria como se Salvador Dalí pedisse a alguém... bem, como eu para ajudá-lo a pintar.” Se bem que eu acho que poderíamos dizer que meus cartazes estavam saindo com um certo toque surrealista.
Repentinamente, Micael inclinou sua cadeira para trás e deu um giro.
– Tenho que dar um telefonema – disse ele. – Pode dar uma revisada nisso pra mim? – ele apontou a tela do laptop.
Meu coração pulou. Ele queria mesmo os meus conselhos. Eu me levantei, arrancando vários instrumentos de arte em cima de mim e colocando nas toalhas de papel que cobriam o tapete. Ele abaixou o olhar para aquele pequeno desastre e franziu o nariz.
– O que você fez? – perguntou ele com uma voz horrorizada.
Minhas bochechas queimaram.
– Eu, ah, é um tipo de trabalho em processo – falei, sem convencer muito. – Quer dizer, são alguns trabalhos em… processo.
Micael encolheu os ombros.
– Deixa pra lá. Eu já volto, ok?
Eu apertava mecanicamente as teclas e o corretor ortográfico do computador fazia o seu trabalho. Na verdade, eu me senti bem pouco importante enquanto pedia ao computador para substituir ou ignorar todas aquelas palavras absurdas do vocabulário do Micael. Será que alguém da nossa sala conseguiria entender uma palavra do que ele estava falando?
Eu já havia terminado quando Micael retornou, e fiquei pensando se deveria mencionar alguma coisa sobre a escolha das palavras. Eu não queria que ele pensasse que eu não conseguia entender o discurso.
Ainda que eu já estivesse bastante certa de que Micael gostava de mim, ainda ficava preocupada em fazer algo que demonstrasse que eu não estava no mesmo nível que ele.
- Obrigado – disse ele, parando atrás de mim, esfregando os meus ombros. Ele abaixou sua cabeça para perto da minha orelha. - Eu realmente fico feliz com toda sua ajuda.
Tudo bem, falar alguma coisa naquele momento era definitivamente impossível com toda aquela purpurina brilhando pelo meu corpo.
E naquele exato momento, eu espirrei. “Ótimo. Logo quando ele está me tocando. Muito romântico, Lua!”
- Ah, Micael. Pode me passar aquela caixa de lenços novamente? – pedi.
Ele alcançou a caixa e a entregou a mim, então se sentou na beirada de sua cama, fitando o meu rosto. Eu assoei rapidamente o nariz de novo.
- Passei o olho pelo seu discurso enquanto estava usando o corretor.
- Bastante bom, não é? – ele me olhava como se minha opinião fosse importante.
- Estava ótimo, é obvio – comecei. Micael concordou com a cabeça. - Mas eu realmente acho que você deve suavizar um pouco a linguagem.
Ele franziu a testa.
Imediatamente eu me arrependi de ter dito alguma coisa. Agora Micael pensaria que por trás daquela máquina de espirros existia uma completa idiota.
- Bem… acho que você está certa – reconheceu ele. Eu soltei a respiração aliviada. - Eu esqueci que os QIs dos nossos colegas não correm o perigo de chegar aos três dígitos.
Eu mordi o lábio. Aquilo tinha sido grosseiro.
- Bem, não foi isso que eu quis dizer – falei cuidadosamente. - Não é por que as pessoas são idiotas ou não entendem o seu discurso. Mas nem todo mundo está preocupado com todos esses detalhes. E bem, acho que você prefere expor suas idéias de um modo que interessem a eles… e não fazer com que precisem olhar o dicionário mais próximo, não é?
Micael concordou, balançando a cabeça.
- Essa foi uma boa sugestão. É engraçado, você falou exatamente como o Doug. Ele sempre diz que eu tenho que simplificar meus textos – falou Micael, me olhando profundamente. - Eu tenho tanta sorte de ter você ao meu lado.
A intensidade do olhar dele estava ficando quase exagerada; eu desviei o rosto e, em seguida voltei a encará–lo. Eu o havia realmente impressionado a falar as mesmas coisas que o Sr. Serson.
“Eu tenho sorte”, pensei, enquanto ele dava um passo para frente e me beijava, retirando um punhado de purpurina do meu cabelo. “Eu sou uma garota sortuda. Sortuda e com problemas artísticos.”
Aaaaa…tchimmmm!
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By : Maria Fernanda e Vithória